LOVING IN DANGER
Alguns momentos na vida só acontecem quando estamos abertos a eles. Respirar profundo em uma floresta ventuosa, senti o chamado por mudança, uma espécie de transgressão. Dentro de mim, comecei a gerar o prazer de estar vivo, de existir, e insistir que, acima de tudo, sou uma alma antes tudo.
Nesse projeto, apresentamos histórias que ficcionalizam a realidade, histórias que foram negligenciadas pela sociedade. Elas se desenrolam em um mundo folclórico e lúdico onde conseguimos sentir a desafios diante daqueles que se opõem a nós. No mundo que criamos, nossa comunidade é a protagonista. Cada um desses corpos tem um impacto influente na cena dos bairros do Rio de Janeiro.
Cada vestígio de embaraço que distancia vidas, cada pontada de incerteza e, ainda assim, estamos aqui, com medo, mas presentes. Pois, se deixarmos de sentir qualquer coisa, perdemos a noção do que nos causa dor, sem mencionar o que nos excita e nos encanta. Não havia mais fronteira entre realidade e fantasia. É uma narrativa onde os sonhos, ao tomarem forma, são guiados por nossa crença na magia. Sentia como se estivesse desbloqueando a parte mais pura e perigosa da infância, revelando essa luz ardente que habita em meu interior.
A alegria de contemplar nossos corpos, a ternura de nossos sentidos, o desejo de olhar nos olhos uns dos outros através dos gestos mais triviais, escolhendo a nós mesmos no caminho para a felicidade e nos alertando para o perigo entre nós. A divindade não é algo que esperamos na morte; está aqui, disponível para nós.
Luan e o Movimento dos Guerreiros
Desafiar a norma de um corpo moldado pela coreografia social imposta é um ato de rebelião, um êxodo que os coloca à margem do convencional. Um guerreiro que luta para desconstruir esses movimentos, Luan carrega consigo a força de suas entidades, despertando o desejo por um novo começo. Este ato cria uma narrativa que celebra tanto a individualidade quanto o legado ancestral e estabelece um convite para a autodescoberta e uma rejeição das expectativas limitantes da sociedade.
A Dança da Alma
Alma move seu corpo como o vento, um trânsito de tudo que a atravessa, uma manifestação do universo. Com vigor, Alma mostra a história coletiva de sua comunidade, transmitida através de suas gerações. Apesar das dificuldades enfrentadas, coragem é um resíduo inerente da sua existência. A cada passo que dá, relembra a todos que são parte de uma dança maior, revelando que, até mesmo nos gestos mais pequenos, reside a força acumulada de mil anos e o ritmo sagrado que une a todos. Essa fluidez com o passado e com a comunidade inspira não apenas a si mesmo, mas também aqueles ao seu redor, mostrando que a seu propósito está na capacidade de unir e celebrar a vida, mesmo nas adversidades.
Canções de Hub
Hub cantava desde criança, sua voz carrega uma presença quieta e instinctiva. Sua família acreditava que a música era mais do que apenas som, era uma forma sagrada de despertar os sentidos e conectar as pessoas profundamente. Para ela, sua voz era como um farol cortando a escuridão, guiando-a em uma jornada de descoberta e inspirando-a a explorar novos horizontes. Cada canção servia como uma ponte, unindo as pessoas por meio de uma compreensão compartilhada. Ela reconhecia que sua voz estava enraizada em uma linguagem antiga e significativa, e cada oração era um rito de passagem, um ato de renovação, uma lembrança constante do poder duradouro da canção para inspirar harmonia e crescimento.
Os Campos de Lorre
Lorre usa a arte como uma arma e o coração como um escudo. Suas performances, cheias de graça e força, tocam até os corações mais endurecidos, transformando adversidades em esperança. Como uma testemunha silenciosa, ele acredita no amor e na diversidade, promovendo um senso de comunidade e um lugar de inspiração. Enquanto se apresenta, os campos brilham, celebrando sua existência na sua mais profunda verdade; a vida nos chama a estar vivos com fogo e graça.
Wesley e as Marés Sussurrantes
No coração da favela do Vidigal, Wesley nasceu sob um céu tingido de azul e cinza anunciando tempestade, que muitos consideram uma bênção tocada pela mão misteriosa da sorte. Sua pele brilhava levemente em azul sob a luz da lua, um sinal que sua mãe acreditava ser a bênção do mar. Enquanto outros viam algo estranho, Wesley sentia um poder silencioso dentro de si, respondendo ao ritmo das marés. Noite após noite, ele ficava à beira-mar, ouvindo os sussurros do oceano, e despejava suas vivencias na escrita de histórias e poesias inspiradas pelo seu entorno. Quando uma tempestade feroz atingiu, com raios iluminando as ondas turbulentas, Wesley entrou na água, para se transformar. Suas palavras carregavam vida, provando que mesmo diante da injustiça, palavras e imaginação podem transformar maldição em esperança, e lembrando a todos que os ancestrais e os deuses ainda vivem dentro daqueles que ousam sonhar.
Mandu e o Refúgio dos Sonhos
Em uma terra quente, onde o sol acariciava sua pele e o solo pulsava com a energia de mundos invisíveis, Mandu, em seu refúgio, fundia sonhos e realidade. Sempre que fechava os olhos, vislumbrava romances ainda por vir. Em segredo, ele esboçava memórias, sentimentos profundos, desejos intensos, gestos que às vezes pareciam à beira, prontos para anunciar tempestades. Com o tempo, ele preenchia suas páginas com histórias de coragem e encontros inesperados, aprendendo que a magia reside na capacidade de se permitir estar totalmente aberto. Sempre que precisava, retornava ao seu refúgio, onde o amor, a paciência e o silêncio o aguardavam.
UNDER THE SAME SUN
O movimento de pessoas LGBTQIA+ em direção às capitais da América Latina é um fenômeno social bem documentado. Essa migração ocorre por várias razões, incluindo a busca por segurança contra a violência e a discriminação, e o acesso a melhores proteções legais, oportunidades de emprego e educação. Muitas pessoas também buscam liberdade pessoal, autoexpressão e a chance de viver de forma autêntica em ambientes mais inclusivos. Por outro lado, alguns optam por ficar em suas cidades natais para lutar por melhorias, recusando-se a ser confinados pelas estruturas restritivas impostas pela família, religião ou tradição.
Esta série captura suas jornadas por meio de fotografias tiradas nos centros urbanos de Cuba, Colômbia, Venezuela, Chile, Brasil, Argentina e México. Cada imagem reflete como enfrentamos a vida dentro de sistemas de opressão, destacando momentos de ruptura e transição, assim como as estratégias de ação e criação em cenários desiguais. Este trabalho reconfigura a erosão de nossa comunidade na América Latina dentro do panorama global contemporâneo, ilustrando que é, de fato, possível viver em nossa terra, apesar dos desafios este é o nosso lugar.
A mudança remodela a intimidade e a identidade, aprofundando nossa capacidade de compaixão e solidariedade. Cada passo além das fronteiras traz riscos, mas também serve como um testemunho de futuros mais brilhantes. Essas histórias reivindicam o direito de sonhar e de encontrar conforto em novos começos.
No cerne, este projeto celebra a preservação dos laços sociais e do autocuidado, oferecendo apoio e visibilidade para questões urgentes. A lembrança e a conexão servem como fontes de refúgio. Somos viajantes, rebeldes, sonhadores e, acima de tudo, almas em primeiro lugar, buscando um horizonte onde a própria existência se torna um ato de amor.
Har
Decidi começar esta jornada em Buenos Aires. Esta é a primeira imagem do projeto. Entrei na casa de Har e, em um dia muito ensolarado, quando a porta se abriu, vi sua mãe cozinhando na cozinha. Ele havia acabado de fazer a cirurgia de redesignação sexual e estendeu os braços para me dar um abraço suave e sincero.
Começamos a pensar sobre como ele queria ser visto e lembrado. Ele mencionou que uma foto sem camisa poderia capturar um sonho que sempre teve, uma visão que imaginou para si mesmo, e servir como um testamento do progresso e um reflexo destes tempos.
Mais tarde, do lado de fora, ele tirou a camisa e compartilhou mais sobre si mesmo:
"Eu sou Har, 29 anos. Sou DJ, ator e produtor musical. Também trabalho como operador nacional para o Sistema de Saúde Argentino dentro do Ministério da Saúde."
Refletindo sobre sua jornada, ele disse suavemente:
"As origens, os medos, as pequenas vitórias. Comecei minhas transições internas muito antes de qualquer mudança externa."
Sua mãe apareceu quieta atrás da câmera, cruzou os braços e olhou para ele com olhos brilhantes, silenciosa, mas orgulhosa.
Ele costuma dizer: "É uma cura de todas as formas."
Eva
Meu nome é Eva Lucero, conhecida como Lucero. Sou de Rosario e moro em Buenos Aires há cerca de um ano. Por muito tempo, estive moldando minha identidade artística, explorando papéis e me reconectando comigo mesma. Minha jornada tem sido profundamente pessoal, desafiando medos, inseguranças e vozes internas que tentavam me definir.
Decidir deixar a cidade onde nasci e me aventurar em outras cenas em Buenos Aires e Córdoba marcou um ponto de virada. Foi uma declaração de propriedade sobre quem eu sou e por que vim a este mundo: para dar show, para revelar minha verdade. Como uma mulher trans, Buenos Aires tem sido tanto um lugar de oportunidades quanto de confrontos, um espaço onde enfrento as expectativas da sociedade e meus próprios medos. Minha arte é crua, íntima e enraizada nas minhas dores mais profundas, transformando vulnerabilidade em um futuro mais brilhante.
Viver aqui me ensinou que a autenticidade é o ato máximo de rebelião. Ser trans em Buenos Aires significa lutar por visibilidade, recuperar minha voz e meu espaço. Cada passo que dou não é apenas sobre sobrevivência, mas sobre abraçar a profunda beleza da minha verdade e—por meio da arte—oferecê-la como um presente para outros que buscam sua própria liberdade.
Andy
“Eu moro sozinho com minha mãe; meu pai faleceu e tenho um irmão que está na prisão. A vida tem sido difícil, houve dias em que tudo parece pesado, quando o medo parece dominar. Mas eu aprendi que é possível viver ao lado do medo. Eu acredito que, se nos importássemos apenas com o medo o tempo todo, não estaríamos realmente vivos. O medo é parte de nós, assim como a alegria ou a tristeza.
Cada momento de vergonha que nos separa, cada dúvida que nos faz questionar a nós mesmos, apesar de tudo isso, continuamos em frente. Estamos aqui, com medo, mas também presentes, porque se parássemos de sentir qualquer coisa, perderíamos a noção do que nos causa dor e, mais importante, do que nos faz felizes, do que nos excita.
Eu aprendi que abraçar esses sentimentos, mesmo os desconfortáveis, é o que nos mantém enraizados. A vida em Havana, com todas as suas dificuldades, me ensinou isso. Não se trata de fingir que tudo é perfeito, mas de encontrar força no que sentimos e aprender a seguir em frente, um dia de cada vez.”
Dani
Dany Ortiz tem 25 anos e cresceu em Alamar, na Havana Oriental, onde ainda vive hoje. Viver em Alamar, como em muitos lugares de Havana, é uma experiência de contrastes, cheia de desafios, mas também repleta de conquistas e coisas a serem apreciadas.
"Minha experiência como pai trans é viver a paternidade de uma maneira muito universal. A identidade de gênero não compete com o papel de um pai; pelo contrário, fortalece. Viver autenticamente como quem sou é a base que me permite ser um pai presente, estável e amoroso para minha filha, que me aceita naturalmente como seu pai. O equilíbrio não vem de separar essas duas partes, mas de integrá-las. As responsabilidades são as mesmas de qualquer pai. Essa experiência me deu a oportunidade de redefinir as noções de família, demonstrando que seu núcleo é o amor e o compromisso, e não a biologia. Para minha filha, ser inclusivo é a norma. Sem nem mesmo tentar, me tornei um exemplo vivo de que a autenticidade e o amor paternal são tudo o que verdadeiramente define um pai."
Nars
I met Nars in Juárez, central Mexico City. We hadn’t planned anything, I got her number from someone I photographed the day before. She asked if I wanted to come up for the photos, welcomed me into her apartment, and began introducing herself.
I’m La Nars, 25, a trans woman, artist, dancer, and event organizer for the trans, Black, and Prieta communities. After a few minutes into our conversation, she shared that her plans were interrupted when COVID arrived in Mexico, forcing her to return to Cancún. She finished university online and searched for work, but faced her biggest challenges: the loss of her grandparents and uncles to COVID. Soon after, she tested positive for HIV. She initially faced it alone but soon realized she needed support. The murder of a person living with HIV in Cancún for disclosing his status deeply affected her, fueling fears of being discovered and recognized. But those fears no longer control her life.
With her savings and dreams, she moved to Mexico City, telling herself, “Whatever comes, will be good.” Since arriving, she’s discovered a strength and self-worth she never knew she had. Embraced by her chosen family, she knows she can always find a safe, understanding space. Here, she breathes and she is.
Rich
Meu nome é Richard Castillo Castro, e sou de Havana, Cuba. Havana é uma cidade cheia de vida, fala à minha alma, seu ritmo, sua história, e é um lugar onde a maioria das pessoas LGBT acaba, porque oferece um pouco mais de liberdade, um senso de comunidade e a chance de ser você mesmo. Meus pais são meus confidentes e o núcleo de quem sou. Quando finalmente compartilhei minha verdade, algo que eles provavelmente já suspeitavam, olharam para mim com bondade e disseram: “O que é conhecido não precisa ser perguntado.” Essa é uma frase que vou levar para sempre.
A vida nem sempre foi fácil; enfrentei palavras duras, dúvidas, e em um momento, quase desisti. Mas encontrei meu caminho de volta. Agora, estou apenas sendo eu mesmo. Se a minha verdade te incomoda, então olhe para outro lugar e tenha cuidado para onde está direcionando seu olhar. Estar na terra que abriga minha cultura é um privilégio que vem de não ter medo. Nasci no sul, em uma família pobre, na periferia, e nunca tive medo da rua.
Fifi
Um daqueles domingos disforicos em Buenos Aires. Sou cantora de tango, geralmente consigo lidar com a tristeza depois de um longo fim de semana vampírico, mas naquele dia, um jovem fotógrafo bonito apareceu na minha porta um dia antes do esperado. Tentei improvisar uma feminilidade poderosa, mas logo percebi que minha tristeza era maior do que eu. Então, convoquei meu santo, San La Mostra. Maquiagem de látex, minha armadura para lutar contra a pressão de ser hiper-feminina como uma femme trans gorda. Quando entro nesse estado, minhas emoções correm livres. Sinto poder em ser verdadeira com meu lado baixo astral.
Quando estou perdida, penso que o sexo é a única coisa que posso trocar. Mas naquele dia, diante de um garoto brasileiro excessivamente vestido com roupas europeias, senti algo diferente, uma conexão antiga. Como se eu pudesse mostrar a ele meu eu mais cru. Você consegue sentir o poder da minha tristeza e ainda assim me querer? Falei sobre minha dor: a perda do meu pai, as mortes de amigos, contemplando o futuro nesse mundo louco. Ao longo dos anos, tenho criado rituais, novas maneiras de desafiar e encontrar a morte. Para mim, como uma artista trans, a morte é uma amiga, alguém com quem eu deveria rir, dançar, ficar acordada até tarde e sempre negociar.
Fifi Tango é uma artista teddy-trans, não-binária, de Misiones, na tríplice fronteira da Argentina, Brasil e Paraguai, agora baseada em Buenos Aires. Ela é uma anfitriã curvilínea, peluda e high-femme que oscila entre suavidade e caos. Suas performances misturam drag, bruxaria, kink e tango em um espetáculo cru e inesquecível.